terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Ensaio sobre sombra e identidade de brasileiros no Japão III

Feliz 2019 diretamente de uma cidade que queria muito conhecer chamada Beppu que fica na província de Oita na ilha de Kyushu, sul do Japão. Aqui sigo minha aventura e aprendizado e nas horas vagas escrevendo aqui no blog esse ensaio.
Como se forma a sombra, ou seja, a identidade?
Escrevi no post anterior sobre a sombra  ser a identidade individual de cada um que é formada desde o nascimento.  A origem da constituição da sombra vem do nosso primeiro contato com os pais pela linguagem. Imagina a alegria dos pais quando os filhos começam a falar, se expressar, saber quando está bem, quando está mal, o que querem. É gracioso uma criança falando, a gente se encanta porque é lindo mesmo, a sombra está se formando. A linguagem por meio do idioma original é a principal constituição da sombra, da identidade de cada um. Mesmo quando as crianças não conjugam corretamente, trocam as letrinhas, o importante é exercitar o idioma da identidade original.
Sabe o que me deixa muito feliz sempre? Quando eu encontro uma placa como essa abaixo escrita em português e espanhol. Fico tão feliz de ver minha língua portuguesa e o espanhol alí na plaquinha, já gostei mais ainda de Beppu. Traduziram "ao Beppu" mas tudo bem, a intenção é a que vale! Ao menos os japoneses se esforçam para receber bem o outro nas suas mais diferentes "sombras", principalmente nos pontos turísticos.


Eu amo meu idioma, o português que herdei por ter nascido no Brasil e amo também o espanhol por ter tido um pai espanhol. Tudo isso para dizer que tanto o português quanto o espanhol fazem parte da minha sombra, da minha identidade. Geoiarinha tem uma sombra de origem e tenho um super orgulho disso! Não tem como eu arrancar isso ou alguém arrancar isso de mim e tenho o maior orgulho desses dois idiomas e desses dois países: Brasil e Espanha. Gostaria de falar melhor o espanhol, mas vou aprimorando aos poucos minha sombra. E o português é a língua que eu penso e me expresso todos os dias e que me permite escrever esse post também.
Onde é que estou querendo chegar? Essa introdução toda foi para tentar explicar como a sombra se forma. Agora vamos complicar porque temos que considerar que vivemos num mundo onde as pessoas migram em busca de melhores oportunidades. A "bolsa mágica" do Peter Schlemihl que sai dinheiro e realiza os desejos nem sembre está no país de origem, a "bolsa mágica" acaba levando muitas sombras a outros países.
Como proteger a sombra considerando que o indivíduo está fora do seu país de origem?
Imagine só como deve ter sido para os primeiros japoneses no Brasil em 1908? Que sofrimento migrar para um lugar em que eles não falavam português. Terrível!Agora pensa no inverso, nos primeiros brasileiros chegando aqui em 1988. Terrível também! O idioma é um dos pilares da constituição da sombra, da identidade. Estar em outro país com pessoas que tem sombra diferente da tua dá uma angústia muito grande.
Muitos japoneses foram enganados no Brasil e muitos brasileiros foram enganados no Japão e isso gera uma insatisfação muito grande. O sonho da "bolsa mágica" esbarra na questão do idioma sempre!
Se você que está lendo esse post, é brasileiro, tem descendência japonesa, ou se casou com descendente de japonês, mora no Japão, trabalha no Japão e fala japonês muito bem...omedetou para você, parabéns! Você tem sombra, você tem identidade. Eu sempre fico encantada de ver meus amigos brasileiros falando japonês, fico encantada mesmo! E se você continua estudando o português aplicado nos mais diversos níveis, ensino fundamental, médio, aula particular, ensino superior presencial ou a distância, especialização......parabéns também por proteger sua sombra de origem.
Resumindo, estudar é um dos meios para proteger a sombra, ou seja, sua identidade. Estudar inglês também vem se constituindo como uma característica bastante apreciável às sombras porque aí então você pode se comunicar com muitas outras sombras de outros países e tornar a sua sombra, a sua identidade mais forte e bonita. Eu adoro conhecer pessoas de países diversos que eu consigo me comunicar, eu aprendo tanto. Mas se eu não soubesse me expressar em outros idiomas, sem dúvida eu me sentiria péssima.
Mas eu sei que infelizmente tem muitos brasileiros que estão no Japão por muitos anos que NÃO sabem japonês e NÃO sabem o português, não estudam nem um e nem outro mas tem a "bolsa mágica" que sai dinheiro e compra tudo o que querem. Saber um pouco, o japonês das fábricas, isso não é saber japonês ou o japonês do "kore, iti". E saber português de escrever no facebook também não é saber português. ESTUDAR protege a sombra!
Puxa vida, "mas eu não tenho tempo", gente eu ficava muito arrasada de escutar pessoas já "sem sombra" dizendo isso. Há muitos que vivem o encantamento da bolsa mágica do Peter Schlemihl. Frases do tipo: "A vida aqui é assim, trabalhamos bastante e só descansamos para poder trabalhar mais." Mas o importante é que se compra muita coisa e se "vive bem" no Japão.  Tá vendo como é complexo para chegarmos a uma conclusão bastante óbvia e até clichê: dinheiro não compra felicidade. Tem muitos brasileiros felizes com as conquistas materiais e super orgulhosos mas lá no fundo é visível a tristeza. Quem acorda feliz e contente para fazer um trabalho repetitivo, pesado, que machuca, que deixa marcas por 12 horas durante 6 dias da semana, sim porque muitos trabalham de sábado. Eu super admiro essas pessoas, de verdade, é impressionante pra mim isso. Eu falo isso sempre para meus amigos, como vocês conseguem? Há muitos Peter Schlemihls no Japão que se encantaram num primeiro ano com a bolsa mágica e muitos não vão largar a "bolsa mágica" por nada nesse mundo. Fiquei arrasada de saber que um brasileiro que eu conheci recentemente se matou,  ele tinha a posse da sombra mas a alma dele era da fábrica, era do Japão.  Ele havia passado férias no Brasil e estava super contente de ter visitado o nosso país, mas tinha que voltar para onde ele trocou ter a sombra de volta concedendo a alma. A alma desse brasileiro ficou no Japão literalmente.
Como recuperar a sombra?
Alguma dúvida que eu vou escrever que ESTUDAR recupera a sombra. Os coreanos tem um status diferente aqui no Japão porque eles enfrentam os japoneses de igual para igual simplesmente porque os coreanos além de estudarem japonês, eles estudam inglês e se qualificaram nos estudos formais e alcançam postos de trabalho altos aqui. Quero deixar bem claro que você pode morar onde quiser, trabalhar onde quiser mas é bom proteger sua sombra, sua identidade: estude, se qualifique, lute no idioma da onde você está para que o certo seja realmente certo. Não aceite situações erradas impostas pelas empreiteiras ou pela empresa.
As pessoas "sem sombra", sem identidade, aceitam numa boa fazer coisas erradas no ambiente de fábrica ou da empresa, nos contratos de trabalho. As pessoas "sem sombra" não vêem nenhum problema em aceitar maracutaia porque tem maracutaia no Japão SIM. Eu senti na minha pele e fiquei bem assustada de saber que se faz maracutaia no Japão, mas essa é uma outra história! Que mal há em assinar um contrato que paga menos impostos e você "vai ganhar" mais. Muitos brasileiros que aceitam isso, não tem sombra. Se você não estuda, você tranquilamente aceita o errado e contribui para punir o certo. Mas se você tem sombra, tem identidade, você faz o que é certo e pune o errado. Por sorte eu tenho sombra, não me vendo por "bolsa mágica" nenhuma e nem fico vislumbrada com Japão como as pessoas sem sombra costumam  ficar. Uma característica bem marcante das pessoas "sem sombra" que está até numa pesquisa feita pelo consulado. Muitos brasileiros que venderam "sua sombra" pela bolsa mágica tem um padrão bem típico de falar muito, mas muito mal do Brasil. Tudo no Brasil é ruim, tudo é péssimo, nossa que lugar abominável de se viver. É preciso ter uma boa justificativa por ter aceito a "bolsa mágica" e esse é um padrão bem característico.
Sabe por que eu escrevo isso sem o menor medo de me criticarem? Primeiro porque eu tenho sombra, eu tenho identidade e me orgulho muito dela. Segundo porque eu conheci pessoas maravilhosas aqui no Japão que ajudam os brasileiros a recuperarem a sua sombra, a sua identidade! Quando você conversa com as pessoas com sombra aqui no Japão, eu percebo que o mundo não está totalmente perdido. Acho até que talvez tenha sido um dos maiores aprendizados que tive na minha vida vivendo aqui no Japão com brasileiros. E "A História maravilhosa de Peter Schlemihl" é realmente maravilhosa e super atual para a realidade que eu vivenciei. Vou deixar esse livrinho no Japão para essa minha amiga muito querida que ajuda brasileiros a recuperarem a sombra.

Em tempo, faltou eu explicar o Thomas John no post anterior que era para prestar atenção que eu falaria dele depois. Pois é, o Thomas John é o exemplo acima do brasileiro que morreu no Japão. O Peter Schlemihl perguntou ao sujeito do casaco de cinza se o Thomas John tinha assinado vender a alma, daí o homem do casaco cinza tira do bolso a alma do Thomas John. Quando o Peter Schlemihl vê a alma saindo do bolso, ele decide jogar a bolsa mágica fora e vai embora com o que sobrou da bolsa mágica e sai pelo mundo para ter outras experiências. O Peter Schlemihl não vendeu a alma, que lindo né.  Por isso eu falo muito para alguns amigos muito queridos que tenho aqui no Japão, se não está feliz aqui, "larga essa bolsa mágica" o quanto antes e vá viver em outro lugar ou voltar ao Brasil.

Espero que tenham gostado desse ensaio em três posts sobre a história maravilhosa de Peter Schlemihl e minha experiência no Japão. Vou trazer nos próximos posts alguns exemplos super interessantes que conheci aqui que valem muito a pena refletir. Gostei de voltar a escrever no blog e espero que tenham gostado dessas reflexões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário